segunda-feira, 26 de março de 2012

Não sabia se limpava ou se era limpada

Aquela magrela da minha vizinha, tão magrela quanto a vassoura que ela esfregava sua casa, limpava, limpava e limpava. Era o chão que o João sujava, o quintal cheio de folhas da mangueira e com mal cheiro das titicas das galinhas, galinhas, das outras vizinhas, inclusive vizinhas minhas, limpava telhas de aranha, limpava o feijão que o João comia e deixava cair ao chão, ai ai ai João periquito, era o nome que ela chamava ao ver as migalhas de feijão, de pão, de tudo que comia o João, há! antes que eu me esqueça, a profissão dela era doméstica. Pegava algumas casas para efetuar seu trabalho 4 vezes por semana, e limpava 4 casas e limpava sua casa.
Mas o que mal ela sabia era que ela estava sendo limpada, tipo desses casos que acontece em novelas, esses chatos mesmo, que todo mundo vê que alguém está sendo feito de bobo, menos a protagonista. Isso mesmo, a magérrima, magríssima, pouca rendosa, descarnada, esgalgada, pouco abundante, magrela, a franzininha da vizinha que morava de parede meia comigo, era a protagonista daquela casa vazia de empatia, mas, cheia de gente.
O tal do João, seu namorado, mudou-se para casa dela com seus 9 filhos, 3 netos, 2 cachorros e 1 gato. Decidiu administrar o seu dinheiro, e ela, coitada, tanta coisa pra fazer, deixou que ele resolvesse tudo que era compra de casa. Então ele comprava uma cesta do Pró-pão com um terço da quantia que ela lhe dava, dividia comida para 17 seres vivos residentes daquela casa, e o restante aplicava em sua conta poupança. É bom lembrar que tinha a herança do falecido Vanderval (que Deus o tenha), marido de papel passado da minha vizinha, que ela sacava e o João também administrava. Como ele achava que uma cesta era o bastante para sustentar a habitação, a herança ia também para a conta que com um pouco mais de 5 anos que eles moravam ali, já devia estar o oposto da minha vizinha, estaria gorda, gorda, penso eu.
Hoje não sou mais vizinha da coitada, mas tenho notícias que João viajou a passeio e nunca mais voltou, mais deixou lembranças para minha vizinha: Deixo-me minhas crias porque você mostrou aceitá-las com carinho, pois levava sempre ao pé da letra aquela velha frase: Onde come um, come dois, três, quatro, ou quem sabe, 17. Embora meu cachorro tenha morrido, ele deve estar te olhando lá do céu dos animais, li uma vez, que eles morrem e não ficam junto com gente. Deixo-me a senha do seu cartão, porque afinal, todos aí têm que comer, deixo o endereço da casa de ração para que você possa comprar quirela, ir na casa de nossas vizinhas e sustentar as galinhas, mas é bom ir à noite, como eu fazia, porque é o período em que elas tem mais apetite, deixo-me minhas cobertas para você se lembrar de quando você meu bambuzinho, trabalhava, enquanto eu dormia. Uma hora dessas estou longe, escondi a carta para que você demorasse achar, pois, detesto despedidas. Estou longe, longe mesmo. Comprei um caminhão.